Ar seco e variações de temperatura anunciam a fase das estações mais áridas, que começam no outono e se encerram no inverno. Tais condições climáticas, por aumentarem o risco de uma falha das barreiras protetoras do organismo, também criam o contexto ideal para um crime cometido por micro-organismos: a invasão desautorizada da faringe, da laringe ou das amígdalas, que culmina em tormentos para falar, engolir… Apesar de minúsculos em tamanho, os vírus carregam o título de maiores baderneiros dessa região — patrocinam ao menos 85% das irritações ali.
Se por um lado essa gangue possui a atenuante de geralmente não ser muito agressiva, por outro serve como porta de entrada às bactérias, essas bem mais prejudiciais e, logo, mais dolorosas. “Os vírus consomem as células de defesa. É como se eliminassem o exército que combateria outros agentes nocivos”, compara o médico Edson Mitre, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, em São Paulo.
Com o intuito de dar fim a esses problemas, cientistas trabalham arduamente no desenvolvimento de medicamentos. Para debelar as bactérias, já criaram antibióticos — para o bem e para mal, já que são usados além da conta. Para os outros arruaceiros em questão… “Temos antivirais e vacinas, porém só para poucos tipos de vírus”, lamenta John Oxford, virologista do Royal London Hospital, na Inglaterra, e uma das maiores autoridades no assunto. “Atualmente, o jeito é diminuir o risco de contágio e melhorar o tratamento dos sintomas”, completa.
Se no ramo da prevenção há poucas novidades — continuam a vigorar leis como lavar as mãos e evitar contato mais direto com doentes —, na área de controle dos sintomas desponta uma nova aliada: a pastilha de flurbiprofeno, recentemente lançada no Brasil. “Essa substância ameniza a dor como poucas e é segura. Tanto que o produto é isento de prescrição”, constata Flávio Kakimoto, farmacêutico e diretor de Assuntos Regulatórios e Médicos da Reckitt Benckiser Brasil, laboratório que desenvolveu a pastilha. “É uma ótima coadjuvante, mas, apesar da segurança, vale consultar um médico”, aconselha Monica Menon, otorrinolaringologista do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.
Antes da década de 1940, qualquer desconforto na garganta era sinônimo de preocupação. Afinal, os antibióticos não estavam disponíveis e, com isso, bactérias se multiplicavam sem grande resistência. Uma simples dor podia abrir brecha, por exemplo, para os micróbios por trás da febre reumática, capaz de afetar as juntas e o coração. Se hoje já não existe o temor excessivo, isso não significa que uma dor de garganta mereça pouco-caso — especialmente se durar mais de uma semana.
“A dor prolongada pode ser resultado até mesmo de um câncer”, comenta o oncologista Luiz Paulo Kowalski, diretor do Departamento de Cabeça e Pescoço do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. “Se ela não melhora ou vem acompanhada de engasgos, dificuldade para engolir e rouquidão, consulte um médico”, reitera.
Aliás, até aí o transtorno pode ser desencadeado por um vírus: desta vez, contudo, a gente está falando do HPV. Bastante ligado a problemas nos órgãos genitais, ele, ao adentrar a boca, pode se instalar na garganta e, aos poucos, danificar suas células. Só para citar uma estatística, quem já fez sexo oral com mais de seis parceiros possui um risco 3,4 vezes maior de desenvolver câncer de garganta. “Está aí uma das razões pelas quais mais jovens vêm apresentando com maior frequência esse tipo de tumor”, avalia Kowalski.
Ingerir álcool demais, assim como fumar, é outro grande fator de risco ao desenvolvimento do câncer dentro do pescoço. “Bebidas alcoólicas promovem uma hiperacidez no estômago, o que pode causar refluxo, gerando danos na garganta”, conta Camila Silveira, psiquiatra e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), na capital paulista. “Isso sem contar que o álcool é, por si só, abrasivo”, complementa Arthur Guerra, presidente executivo do Cisa. Em outras palavras, se uma queimação sem motivo aparente der as caras, talvez seja bom maneirar nos copos de cerveja ou nas taças de champanhe.
Não é só o câncer que pode ficar camuflado por trás de sintomas dolorosos no pescoço. Nem sempre infecções pelos vírus da gripe e do resfriado estão por trás do sintoma. Elas são, de fato, bastante comuns, principalmente na infância. Também pudera: as partículas perniciosas veem na amígdala uma de suas primeiras moradias dentro do organismo. Mas, não custa repetir, sempre é bom confirmar o diagnóstico com um especialista. “Nódulos inchados no pescoço, muitas vezes confundidos com amigdalite, podem ser traço da mononucleose”, revela o otorrinolaringologista Edson Mitre. Essa tremenda chateação, geralmente fruto do vírus Epstein-Barr, causa calafrios, náuseas e dores pelo corpo todo. Pior: demora a nos deixar em paz. Em média, suas consequências repercutem por dez dias.
E não é só isso que uma aparente amigdalite pode acobertar. Em casos mais raros, um inchaço doído significa o surgimento de uma doença hematológica, ou seja, problemas sérios no sangue. “Diferenças grandes de tamanho entre uma amígdala e outra às vezes sinalizam até uma leucemia”, alerta Mitre. Nesse caso, é como se os anticorpos alojados na região também adoecessem, contribuindo para uma espécie de inflamação — e, por conseguinte, para a dor.
Tudo isso, contudo, está longe de ser motivo para pânico. Desde que você fique atento aos indícios e, mais do que isso, à duração do incômodo, manter a integridade da garganta e, consequentemente, de todo o resto do organismo não é uma tarefa complicada. Basta ouvir o que o corpo tem a dizer.
Veja como a pastilha interfere no processo infeccioso
1. A invasão Os famigerados vírus e bactérias entram na garganta pela boca ou pelo nariz. De lá, chegam a diferentes áreas e começam a fazer estragos.
2. A repressão O sistema imunológico responde ao ataque enviando seus policiais, ou melhor, suas células de defesa, para o local afetado. Então começa a briga.
3. A consequência Na confusão, enzimas chamadas ciclo-oxigenases produzem prostaglandina, um mediador químico que faz os nervos enviarem sinais dolorosos ao cérebro.
4. O efeito da nova pastilha O flurbiprofeno, seu princípio ativo, corta a concentração de prostaglandina pela metade por desligar boa parte das ciclo-oxigenases. Aí, os nervos são menos ativados.
Quando tirar as amígdalas
A Academia Americana de Otorrinolaringologia atualizou um guia sobre o assunto. A recomendação é só extrair essas estruturas em crianças em casos de infecções muito graves. “Nessa fase da vida, elas funcionam como importantes escudos”, avalia Monica Menon. “Já nos adultos, perdem parte de sua função. Portanto, se houver algum problema crônico, costuma-se optar por removê-las”, pondera.
Mitos e verdades sobre a dor de garganta
Ela pode evoluir para conjuntivite
Verdade: Os micro-organismos que atacam a faringe não têm preconceito: eles afetam qualquer mucosa, inclusive a dos olhos. Por isso, quando estiver doente, não ponha as mãos na boca e, depois, perto das pálpebras.
Tomar sorvete causa dor
Mito: No máximo, alimentos e bebidas geladas constringem os vasos, dificultando a chegada de células de defesa. Isso, todavia, não gera irritação por si só.
Beber água ajuda a prevenir e a tratar o desconforto
Verdade: O tal muco é composto de 95% de H20. Na falta de líquido, essa barreira natural se torna espessa e, portanto, menos eficaz. Está aí outro argumento para não ficar com sede.
Gargarejo com água morna, sal e vinagre combate os micro-organismos
Mito: Misturas como essa alteram o pH da garganta. Como é sensível à acidez, ela pode até se irritar com o enxágue, o que só serve para piorar a infecção.
Sair de um ambiente quente para outro frio e seco sem se agasalhar gera mais dor
Verdade: Essa troca resseca o muco protetor. Desidratado, ele não intercepta as partículas nocivas, que passam a agredir o local. Um casaco atenua a mudança brusca de clima.
Dor de garganta não é contagiosa
Mito: Como geralmente decorre de vírus ou bactérias, que transitam de uma pessoa a outra pelo ar ou por um aperto de mãos, ela pode passar, sim.
Veículo: Abril Saúde